quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Distribuindo os "Tachos"

Para a nomeação do novo Juiz, Raimundo Meira escreve, não ao secretário do ministério da Justiça, Germano Lopes Martins, mas ao secretário do ministro da Guerra – Alfredo Sá Cardoso – que no meio da crise das espadas, ainda tem tempo para pôr e dispôr da política de Viana e movimentos dos militares afectos. O facto de certos pedidos de colocações de funcionários públicos serem discutidas e conseguidas entre duas pessoas que, oficialmente, não desempenhavam quaisquer funções públicas, demonstra que este tipo de decisões eram tomadas à revelia dos poderes instituídos, Ministério do Interior e da Justiça, tendo por base apenas o poder e o ascendente que Raimundo Meira tinha sobre o Distrito de Viana e Sá Cardos sobre o Governo Central.
Na mesma carta Sá Cardoso desabafa sobre o movimento das espadas, que entretanto decorria, e batia na teoria governamental da “Conspiração Monárquica

Lisboa – 23/1/1915

Meu caro Meira
1º Está feito o pedido para a colocação do juiz de Ovar em Viana. Talvez se consiga, mas o pior é que o Pinho de Monção também pede por outro. […] Vou surpreender-lhe dizendo que chegou tarde, se bem que ele diz que já foi há tempos feito este pedido.
2º A primeira vaga veio de Infantaria 17 (Santarém), já está prometida ao Major Carvalho Martins, mas logo que fique a segunda vaga (Pinto da Cruz) será para o Capitão Abel Falcão. Isto na hipótese, é claro, de ainda sermos governo!
3º Quando recebi a sua carta já tinha escrito duas vezes ao Dr. Adolfo Cunha.
Ele não recebeu a minha primeira carta, não sei porquê. Recebeu a segunda e espero que ele mande os documentos que lhe pedi para ver se consegue despachar.
4º Ainda não tive resposta ao assunto do farmacêutico. Logo que tenha man-do-lhe dizer.
Agora outro assunto. Que efeito tem […] em círculos do […] no país.
Que […], que grande especulação se está fazendo com isto.
Os oficiais estão, na sua maioria, sendo manipulados e arrastados, sem o saberem, por monárquicos que habilmente vêm preparando este movimento sem denunciarem o propósito monárquico.
Deu-se uma insubordinação perigosíssima e agora querem passar uma esponja por tudo isto!!! Pelo menos é o que se reclama por grande parte dos oficiais!
Que há a respeito de deputados pelo circulo?
Não tenho empenho nenhum em ser deputado. Só o seria se o lugar for em aberto, isto é: se a minha candidatura não for tirar o lugar a nenhum dos deputados actuais ou àqueles que o desejem ser.
Diga-me portanto o que devo fazer.
Ainda bem que o Pedralva lhes agradou, bem como aos nossos correligioná-rios de Viana. Tive essa impressão quando lhe falei.
Estou aborrecidíssimo com tudo quanto se passa. Deus sabe ainda o que farei.
Tudo depende da resolução final deste conflito e do meu estado de espírito.

Abraça-o o seu amigo

Sá Cardoso

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domingo, fevereiro 25, 2007

No interesse do Partido

Enquanto se sucedem estes acontecimentos, Antunes Viana, um dos líderes de uma das inúmeras facções do partido Democrático de Viana do Castelo e Vice-Governador Civil, escreve a 22 de Janeiro de 1915, a seguinte missiva a Raimundo Meira a respeito do falecimento do Juiz de Viana, pedindo calma e apontando alguns nomes possíveis para serem nomeados Juízes. Tudo no interesse do partido, pois como ele bem afirma “Como eu não tenho parentes para este lugar, o meu interesse é todo do partido

Meu caro Meira

Que chega de bom é esse o meu desejo.
Hoje faleceu o juiz daqui, e como falando com o visconde de Pedralva, me deixou ver que o meu amigo é que se interessa pelo Queirós, é meu dever lembrar-lhe que ele não é bem recebido por ser Jesuíta.
Como eu não tenho parentes para este lugar, o meu interesse é todo do partido, e como tal vejo que não é de boa política ser nomeado para aqui quem é parente do Porto, e de todos os Talassas de cá e de Lacerdas de Vasconcelos.
Que venha para cá quem queira, mas um homem que seja democrático, um homem e não um jesuíta.
As nossas amizades devem ser postas de parte para não servirem inimigos nossos, aliás do regime.
Olhe bem para os monárquicos militares que aproveitando a ingenuidade de uns, e do Camachismo de outros, como eles apareceram para ver se pegava.
Este movimento deve servir de lição para termos sempre distância de quem não e republicano.
O Governador Civil é que me pediu para lhe escrever, isto é por eleição ir amanhã à terra lhe não poder falar pelo pouco tempo que aí tem. Ele não conhece o homem e como sabe é de conveniência que nós friamente olhemos para o dia de amanhã. Façamos política de alcance e de ser proveitosa para o futuro. Pense e se em sua consciência entender o bem da política que devem por de parte esse Queirós, façam-no. Veja o nosso correligionário da Junta Geral Gomes, e não se esqueça deste rifão,- antes que cases vê o que fazes-. Se querem ter o juiz dos Arcos, o Sousa – que não fura paredes mas é bom homem pode ajudar-nos
Há um de Mourão que quer vir para aqui, não sei o que ele é, e não haja pressa e faça-se uma decisão acertada. O Figueiredo da Guerra, quer ir para Mourão e esse é nosso amigo e ali recebem-no bem.
Julgo Conveniente que escreva para Lisboa para pensarem até que friamente acertem.

Saúde boa é o que eu lhe desejo

Seu amigo velho

Antunes Viana

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domingo, fevereiro 18, 2007

O Golpe das Espadas

Os oficiais das forças armadas eram, de uma maneira geral, neutrais perante a situação política, com excepção dos militares ligados à carbonária (Machado dos Santos) e os Jovens Turcos (Norton de Matos, Sá Cardoso, etc).
Os subalternos, pelo contrário estavam fortemente politizados e este facto, conjuntamente com a acção da formiga branca, fez com que a disciplina militar desaparecesse rapidamente dos quartéis.
Na Marinha, o corpo militar mais politizado, os oficiais monárquicos foram afastados sendo promovidos, com base na sua lealdade politica, indivíduos incapazes. Em 1913 a maioria dos navios estava atracada ou inactiva devido a danos provocados por acidentes. Um dos cruzadores encalhou com perda de vidas e do próprio navio.

Os oficiais das forças armadas não eram aumentados desde 1896. A modernização muitas vezes prometida não passava do papel e mesmo assim os planos eram absolutamente megalómanos. A construção/compra de dois couraçados tipo Dreadnougth constava deles.

Os desejos de Beligerância de Bernardino Machado e Afonso Costa, aliadas às derrotas sucessivas do exército Português em África e conjuntamente com as deserções em massa e às condições insalubres proporcionadas aos militares, fizeram com que estes abandonassem a sua posição neutral de modo a evitar uma aventura militar fatal.

Estavam então reunidas as condições para um golpe militar, faltava apenas a gota que faria transbordar o copo.

Em Janeiro de 1915, a carbonária da Figueira da Foz exige a transferência do comandante do regimento de Infantaria 28, estacionado então naquela cidade, o Major Craveiro Lopes (Pai do Futuro Presidente da Republica Craveiro Lopes). Este tipo de exigências era bastante normal, tal como normal foi o assinar o despacho de transferência pelo ministro da Guerra. Mas a situação não era a mesma de outros tempos e o reacção foi tudo menos que normal.
Um grupo de oficiais oportunamente indignado com este acontecimento banal, entregou as suas espadas ao Presidente Arriaga. A reacção do Governo de Victor Hugo foi o de ordenar a sua prisão imediata enquanto a imprensa afecta ao Partido Democrático apodará os oficiais de “Perigosos Conspiradores Monárquicos”, por isso esta entrega de espadas corria o risco de não passar de mais um “fait-divers” tão normal nesses dias. Em 22 de Janeiro, ocorre um golpe de teatro. O herói da república, Machado dos Santos, dirige-se ao palácio de Belém e entrega, numa encenação melodramática a “espada da rotunda.

Como ninguém em Portugal podia chamar de “conspirador Monárquico” a Machado dos Santos, a maioria dos oficiais do exército impedidos de chegar ao Presidente Arriaga ofereceu as suas espadas (através de telegrama) ao oficial do exército mais antigo, o General Pimenta de Castro.
Antevendo a possibilidade de o governo ser demitido, Brito Camacho organiza ele próprio cerimónias de entrega de espadas e publica inflamados artigos contra o governo no seu Jornal “A Luta”
Rapidamente a situação descambou para a anarquia. Agitadores anti-Partido Democrático sabotavam o embarque de tropas para África. Em face disto Victor Hugo, tenta fazer com que Arriaga assine um decreto que declare o estado de emergência e suspenda as garantias constitucionais. Arriaga recusa e demite o governo.
Mas, para grande descontentamento de Brito Camacho, Arriaga convida Pimenta de Castro, seu amigo pessoal a formar governo. Este tinha sido ao mesmo tempo eleito pelos oficiais rebeldes para defender os seus interesses, depois da “desistência” do chefe do estado-maior, General Martins Carvalho.

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segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Um Pasquim Violentissímo

Manuel José de Oliveira e Francisco de Abreu Coutinho, apesar de fazerem parte do mesmo partido e, segundo Oliveira, este o ter ajudado no passado, odiavam-se mutuamente. Abaixo transcrevo o Pasquim Violentíssimo, a que Manuel de Oliveira se referiu na carta anterior.
Chamo a atenção para o Português utilizado.

Ao Médico Manuel Oliveira
No último número do “Comércio do Lima” esvurmou as suas baboseiras sua excelência “A Sumidade”. Não satisfeito com o desprezo absoluto a que maior parte das gentes de senso o tem votado, pretende dar sinais de vida piando as suas sandices nas colunas duma gazeta suja. Traz ainda afivelada ao rosto a máscara que sempre usou como boa figura de Entrudo que é, mas a sua língua viperina escorre o veneno preciso para que imediatamente o possamos conhecer. Pena é que as três cruzes que rematam a tal boa nova, inserta no último número da desqualificada gazeta, não estejam marcadas a fogo na testa do inconfundível charlatão. Constituiriam um excelente aviso a todos aqueles que, por qualquer motivo, tivessem de aproximar-se da cómica personagem.
Nos artigos que publiquei há tempos no “Cardeal Saraiva” chamei por mais de uma vez a uma luta leal e franca no campo da imprensa esse politiqueiro das dúzias que constantemente oferece nas suas ridículas megalomanias, os melhores assuntos para revistas de ano nos barracões de feira. Nunca apareceu o conspícuo esgrimista da sombra, ao combate leal e decisivo onde cada um dissesse placidamente de sua justiça para que o publico afinal sentenciasse, prefere a situação acomodatícia do anonimato na errada suposição de que assim fugirá à responsabilidade das suas façanhas de baixo estofo.
Engana-se.
Não satisfeito ainda com a primeira carga que apliquei nos científicos lombos de sua excelência, mostrando aos leitores do “Cardeal Saraiva” o quanto ele para aí pretendeu intrujar a respeito da estrada da circunvalação, aguardo para nova carga, a esplêndida ocasião que em breve me oferecerá de rebater os desconchavos que, a meu respeito, o potentíssimo sábio se permitiu despejar.
Relatarei então as suas deslealdades, as suas garotices e a sua desvergonha; explicarei os seus processos de politiqueiro barato e charlatão que se julga com competência para tudo na sua “vaidade” pasmosamente imbecil; examinarei uma a uma as suas descabeladas acusações que a meu respeito, escondidamente, se permitiu fazer, as quais esse trapalhão vulgar não tem coragem de trazer à imprensa, e por último farei a história das célebres cómicas representações dirigidas à importantíssima pessoa, que ele próprio mendigou e compôs, nos recônditos da sua imensa biblioteca de sábio, ao som dos apoiados alvares da camarilha que o rodeia, e que apenas tem servido para provocar a gargalhada, criando-lhe o direito indiscutível de ser considerado o melhor exemplo da bobice contemporânea. Depois tudo trarei a público, e explicarei mais, com inteira precisão o que entre mim e a referida “Sumidade” se tem passado, e as suas causas, relatarei o que houve com relação à proposta do meu nome para deputado da nação, quais são os pretendidos favores que o grande sábio diz ter-me prestado e quais os que ele recebeu de mim em três anos de politica (a fim de que, em saldo de contas, se apure qual de nós é o credor) e narrarei os últimos pormenores sobre o caso da estrada da circunvalação (do qual, assim como de outros, o mesmo sábio tem feito verdadeiros contos do vigário), sobre a eleição da câmara e sobre a eleição da misericórdia – na qual o poderosíssimo influente político obteve aquele grrrandesíssimo triunfo que todos conhecem e tiveram a ocasião de admirar.
Por agora, desafio a que venha declarar na imprensa quais são – as ambições e os inconfessáveis interesses particulares – a que se refere na sua arenga de Domingo, o arranjista médico municipal, o tiranete de papelão, o ridículo Sancho Pança, o médico com quem todos os seus colegas desta vila estão – uns de relações cortadas, outros de relações frias, o bobo de comédia, que há muito diz que vai embora e que vende a casa mas tudo diz e faz para inglês ver, o politiqueiro de três ao vintém a quem meia dúzia de insignificantes, que giram em torno de si, a toda a hora proclamam como o político mais arguto do país, o homem mais fino da Europa, e o milagreiro maior do mundo.
Se não responder ao desafio que lanço, explicando-se com clareza, ficará considerado o mais vil caluniador.
De resto, pode à vontade o sapientíssimo homem de Marrancos continuar com as suas alfinetadas. Tenho a minha pena para lhe fustigar as untuosas e científicas costelas.
Outubro de 1914Francisco de Abreu Coutinho

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Oposição Interna

Manuel José de Oliveira, que anteriormente tinha comunicado a Raimundo Meira a desistência do lugar de deputado pelo circulo de ponte de Lima, motivado pela doença qu o iria vitimar, escreve no inicio do ano de 1915, a lamentar o facto de o novo governador-civil querer apresentar Francisco de Abreu Coutinho, como deputado às futuras eleições.
Manuel de Oliveira, dá conta do mal estar que grassa dentro do Partido Democrático devido a esta decisão.

Meu caro e prezado amigo

Estive ontem em Viana com o novo Governador: Afigura-se que lhe meteram na cabeça apresentar o deputado Abreu nas próximas eleições e pareceu-me que pensa em aproximar-nos! A situação irredutível não foi criada por mim, mas pelo próprio Abreu, salientado pelo próprio pasquim violentíssimo que contra mim publicou. Prezo-me de ser homem digno e de honra e o partido terá que escolher entre mim e o Abreu que aliás pouco ou nenhum valor políti-co possui.
A situação que ele tem actualmente a mim ma deve, sabe-o Vexa. Tive que me impor para que os corpos dirigentes do partido lhe circuitassem a candidatu-ra. Contra toda a expectativa saiu o que se vê. As comissões daqui não vota-ram a sua candidatura e caso ela seja sancionada, abandonarão o Partido democrático pois consideram uma afronta o nome desse indivíduo. Conviria que as comissões políticas deste círculo estivessem informadas do que se pas-sa: não me vale a mim dá-las porque poderei parecer suspeito e por isso a Vexa recorro, como bom republicano e verdadeiro dirigente da politica distri-tal, para que os informe e lhes diga quem é o deputado Abreu e qual a situação do Partido em Ponte de Lima, caso a sua candidatura seja patrocinada por essas comissões.

Aguardando sempre as suas ordens e com a maior consideração e estima

Manuel de Oliveira

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