terça-feira, março 22, 2005

Republicano Desiludido - II

A carta que se publica, deve ter sido escrita no dia 5 de Fevereiro de 1914, revela bem como estavam extremadas as posições entre os republicanos. Relembro que Adriano Pimenta era, ainda 6 meses atrás, membro da direcção do Partido Democrático.

Meu caro Simas

Levanto-me hoje pela primeira vez e ainda incapaz de andar. Conto todavia, estar aí em Lisboa no meio da próxima semana.
Você compreende a minha angústia, nesta situação de inactividade forçada, num momento em que o meu temperamento e o meu dever me chamavam para o centro dos acontecimentos. E deve ter adivinhado também a revolta que eu sinto contras a atitude de grosseira violência desse feirão malcriado, habituado a conduzir, pela ponta do chicote, o manhoso gado que lhe tira o pesado carro de triunfador brigão. E não vejo uma atitude decidida das oposições, em face da omnipotência do ditador.
Por algumas pessoas que aqui me tem vindo visitar, sei que a oposição é cada vez mais hostil ao Afonso. O silêncio, a aparência mesmo de sossego é a prova do repúdio do Afonso Costa, que toda a gente considera capaz de tudo. Mal vai a republica se inoportunos fregueses dão a impressão angustiosa de que dentro das actuais instituições não há ninguém com coragem de se opor ao regímen opressivo do actual governo. A descrença é certa e a monção favorável a um golpe de mão, que terá a justificá-lo a absoluta impossibilidade de continuar um país, num truculento arbítrio de um homem sem escrúpulos. Você sabe de quanto o Afonso é capaz. Vaidoso, sem nível e julgando-se cheio de força, pela fraqueza dos outros.
Por causa dele a republica está cada vez mais isolada. Os monárquicos que ao princípio a aceitavam, detestam-na hoje; e muitos republicanos, os bons, os sinceros, esses não sentem já nenhuma fé na república e talvez vissem com indiferença uma restauração. É isto que eu lhe digo, se o senado não mantém a mesma atitude activa e vigorosa … então está tudo perdido. Venho para casa.
Vi hoje, no Janeiro que o Afonso apela para o presidente Arriaga.
Compreendo o golpe. O pobre do homem que é um joguete nas mãos do Afonso, é capaz de insistir, afeiçoando as oposições aos interesses dessa câmara. Faz mal. Eu se estiver no Senado, quando souber que tal coisa se tinha conseguido, não me retiraria sem mostrar quanto foi impolítica e antes de me retirar, enojado, procuraria ao menos desculpar-me, exprimindo a minha indignação pelo facto de o Afonso não ter escrúpulos de comprometer a figura do presidente.
Se isto sucede o que fica desta republica? O Afonso? Sem parlamento, sem poder judicial, sem o prestígio da presidência é o poder pessoal de um brutamontes, sem dignidade e sem vergonha, com o pobre talento de um advogado esperto.
Que tristeza eu sinto.

Adeus Simas, até breve

Seu amigo

Adriano