domingo, dezembro 12, 2004

Reúne-se o Directório (2ª Parte)

Continuação do último postal

Nesta altura o Germano ofereceu-me uma cerveja que eu não aceitei, por me parecer ou lembrar o Rum dos condenados à guilhotina… E andaram todos a passar-me a mão pelo cabelo; Sousa Júnior, o parvo, aconselhara-me, paternalmente, que saísse sem violência, era o melhor, para não ferir a república. Veja você o procurador da república! Germano coçava a careca e monologava: É o diabo, é o diabo… O congresso extraordinário será um chinfrim levado dos demónios… Vitorino, como um porco de focinho voltado para a terra, pensando mais na pia que nestas mirabolâncias da ortodoxia partidária, sempre mudo e quedo… Estêvão, que delicia! Que sensato ele estava!

Por fim, já maçado e tomado de infinito nojo perante tanta miséria moral e através da qual eu leio o irremediável afundar da raça, fiz a seguinte fala: Pois bem; dada a importância do assunto, eu quero dar aos senhores mais uma prova da minha reflexão. Vou dormir sobre o caso para que não me acusem de precipitado, e amanhã eu lhes comunicarei por carta a minha resolução definitiva.

Acharam óptimo! Perguntaram a quem dirigiria essa carta? Respondi naturalmente: - Para o colega Estêvão, por ser… Ministro de Estado Honorário. Assim ficou assente. Ontem cumpri, enviando a Estêvão a carta que por cópia envio a você só para ficar inteirado da minha atitude. Leia você essa carta duas ou três vezes, pense nele um pouco, e se estiver por isso, diga-me se concorda com a minha orientação.
Aguardo agora os acontecimentos com imperturbável serenidade.
Não tenho tempo para mais.
Veja o meu caro Simas se lhe sirvo para alguma coisa e disponha sempre do seu

Amigo certo

Alfredo Magalhães
Lisboa 5 de Julho de 1913

PS: Olhe que essa carta deve guardá-la ou inutilizá-la. Não a mostre a não ser a pessoas da sua inteira confiança. Julgo ser um bom documento a não ser que seja apanhado pela imprensa nesta conjuntura. Vê bem.

PS: Para lhe poupar a maçada de escrever uma segunda carta ao nosso amigo Pimenta, peço-lhe que o procure já, para ele ler esta carta e dizer-lhe que recebi a carta.Como só voltei do directório às 3 da madrugada. Enviei-a no dia seguinte ao Estêvão. Pode também informá-lo que foi bem atacado por Germano e Sousa a propósito da reunião das comissões do Porto quando os consultou em matéria da Lei eleitoral. Defendi-o como pude e soube, como era um dever.