quarta-feira, março 28, 2007

Apreensões e esperanças Evolucionistas

No campo Evolucionista existiam algumas apreensões, mas reinava um comedido optimismo com a perspectiva de uma maioria absoluta no futuro acto eleitoral.
Em 26 de Fevereiro, Luís Mesquita de Carvalho, dá conta das suas apreensões a Simas Machado. Para ele havia de facto uma ditadura que, apesar de ferir os seu temperamento democrático, julgava necessária para por cobro aos desmandos de quase 5 anos de poder de Afonso Costa.

Meu caro Amigo

A esta hora talvez saiba que na vaga de notário do Porto foi colocado o Pinto Osório, que exercia idênticas funções em Braga. Quando falei ao ministro da Justiça, já ele tinha o caso resolvido e até o decreto lavrado. É possível que nada se tivesse conseguido, mas a verdade é que o seu pedido veio tarde. Infelizmente, como vê, nada se pode arranjar, por este lado; mas, em compensação, o ministro deu-me as melhores esperanças de que seria atendido no outro pedido – o da transferência do delegado de Ponte de Lima para Barcelos. Se assim for já não conseguíamos pouco, porque a vaga de Barcelos é muito e muito disputada.

De política, meu amigo, havendo imenso de importante, há afinal pouco que dizer. Como compreende, a situação nos últimos dias variou por completo. O governo enveredou pela ditadura franca e rasgada contra os democráticos. O facto, como precedente é gravíssimo pela violência das medidas; como providência política, tornava-se sem dúvida indispensável. Para onde caminhamos? Não sei bem. Fazer uma afirmativa optimista sem algumas preocupações parece-me temerário; pôr as coisas em negro (de luto como fez “o mundo”) ante o espectro da monarquia, parece-me também exagerado desvairo.
Não, Tenho para mim que o governo é sinceramente republicano e que as instituições não correm risco. Os próprios monárquicos não estão contentes e vão-se desiludindo de encontrarem uma maré de favor, como a principio supuseram. A meu ver, o governo tem um programa único e imediato: reduzir os democráticos a proporções inofensivas e meter na ordem a formiga. E esse, creio, há de esforçar-se por o realizar.
Quanto a nós, como partido, prevejo que a monção nos virá a ser propícia. Dentro da República somos os únicos que padecemos e devemos governar. As eleições, convenientemente trabalhadas em propaganda e sem perseguição do governo, devem dar-nos maioria parlamentar, pelo menos a indispensável para constitucionalmente governarmos. E então, dentro da lei e dos princípios realizarmos o nosso programa e de se sair deste pesadelo de ditadura e de farsa que, embora necessária e consequência fatal os destemperos democráticos é da perfídia Camachista, nem por isso deixa de ferir os temperamentos, como o meu, e de penalizar as almas, como a minha, verdadeiramente imparciais e republicanas. Os fins muitas vezes justificam os meios; mas nem sempre se podem aceitar sem inteira relutância. Certo é, porém, que os democráticos não têm de se queixar-se e são indignos de protestar: foi esta a sua desgraçada obra; é esta a deplorável situação que criaram.
A nova resolução partidária vai ser tomada logo numa reunião que temos à noite; mas não lhe será difícil presumir qual seja. Não há senão uma…
Adeus. Apareça. Impaciente por vê-lo e abraçá-lo está o seu amigo muito dedicado

Luís Mesquita de Carvalho
Lisboa, 26/2/1915

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